Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, requer que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (LACP), com a redação dada pela Lei 9.494/1997. O trecho estabelece que os efeitos da sentença na Ação Civil Pública sejam restringidos apenas aos limites territoriais de competência do juiz que dá a decisão. Para o PGR, no entanto, essa delimitação desvirtua a própria natureza da ACP e acaba por promover uma cisão dos direitos transindividuais envolvidos na disputa.
No seu entendimento, tanto os efeitos quanto a eficácia da decisão judicial não podem estar circunscritos aos limites geográficos, mas sim aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta a extensão do dano e a qualidade dos interesses em questão.
A título exemplificativo, se o dano é em escala local, regional ou nacional, o respectivo juízo competente deve proferir decisão capaz de recompor ou indenizar os danos de forma local, regional ou nacional, levando-se em consideração os beneficiários, independentemente de limitação territorial.
A manifestação foi dada em dois recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida (tema 1.075) no Supremo. Segundo essa sistemática, todos os processos sobre o assunto podem ser suspensos, e o resultado do julgamento passa a vincular as decisões em todas as instâncias. Esses recursos extraordinários se voltam contra decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao fazer abordagem infraconstitucional do tema, deliberou pela não aplicação do referido artigo 16, e entendeu pela extensão dos limites subjetivos da decisão a todo o país.
Ao final do documento, Aras propõe a fixação da seguinte tese: “É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, com a redação dada pela Lei 9.494/1997, segundo o qual a sentença na Ação Civil Pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência territorial do órgão prolator, por limitar indevidamente a Ação Civil Pública e a coisa julgada como garantias constitucionais, e implicar obstáculo ao acesso à Justiça e tratamento anti-isonômico aos jurisdicionados”.
Entenda o caso – O dispositivo alvo da controvérsia (artigo 16 da LACP) estabelece que a sentença na Ação Civil Pública fará coisa julgada erga omnes (para todos) nos limites da competência territorial do órgão prolator. O termo coisa julgada refere-se ao ponto a partir do qual a situação jurídica é imutável, não cabendo rediscussão do litígio.
Em sua redação original, artigo 16, ao regular a coisa julgada na ACP, determinava simplesmente que a sentença geraria efeitos erga omnes, o que significa dizer que o decidido ultrapassa o direito subjetivo das partes, afetando a todos. Ocorre que a Lei 9.494/1997 modificou o teor da norma e restringiu a extensão da coisa julgada na Ação Civil Pública, de forma que os efeitos estariam limitados à competência territorial do juiz prolator da sentença.
Com relação a esses limites territoriais, Augusto Aras considera que essa alteração acabou por criar dissonância entre normas. Para ele, houve equívoco na redação do dispositivo, o que acabou por gerar confusão entre competência e coisa julgada. “Há de se fazer a devida distinção entre autoridade da coisa julgada e eficácia da sentença, levando-se em consideração, para a delimitação dos efeitos erga omnes, o objeto e o universo de atingidos pela ação, situação que, por vezes, ultrapassará os limites territoriais do órgão prolator da decisão”, pondera.
Ação Civil Pública – No parecer, Augusto Aras ressalta ainda que a Constituição buscou fortalecer a defesa dos chamados direitos metaindividuais, dando norte ao arcabouço de institutos e normas que buscam a promoção de uma entrega mais efetiva e concreta da prestação jurisdicional coletiva.
O texto constitucional inseriu, no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, a tutela dos interesses transindividuais, alçando a Ação Civil Pública à categoria de instituto constitucional voltado à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
“As normas que se mostrem na contramão desses comandos, cuja aplicação dificulte o acesso ao Judiciário ou represente obstáculo à entrega da prestação jurisdicional, estarão em desconformidade com o ordenamento jurídico-constitucional”, observa o PGR.