O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, em processo da relatoria do desembargador Cláudio Santos, manteve decisão da 1ª Vara da Comarca de Currais Novos, que declarou a nulidade da certidão de nascimento de uma criança e destituiu do poder familiar a sua mãe biológica. Esta, junto ao casal que pretendia ficar com a recém-nascida, moveu um recurso, negado na segunda instância. O caso foi julgado e identificado como uma situação classificada como “adoção à brasileira”, porque não seguiu os requisitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma vez que a genitora entregou à filha aos pais registrais, sem que estivessem inscritos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e sem que a Vara da Infância e da Juventude tivesse conhecimento e pudesse intermediar os atos previstos em lei.
A “adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem ou a mulher declara, para fins de registro civil, um menor como sendo seu filho biológico, sem que isso seja verdade reconhecida legalmente. Quando a entrega da criança ocorre sem que o casal adotante esteja previamente inscrito no Cadastro Nacional de Adoção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), esta situação configura adoção ilegal.
Com a decisão do Pleno do TJ potiguar, foi mantida a determinação da 1ª Vara de Currais Novos de busca e apreensão da criança e entrega desta para casal devidamente habilitado perante o CNA/CNJ. Verificada a adoção ilegal neste episódio, foi declarada a legalidade da determinação da unidade judiciária de primeiro grau quanto ao cancelamento do registro original e a destituição familiar.
De acordo com os julgamentos, em primeira e segunda instâncias, que seguem em segredo de justiça, para adotar, no Brasil, os interessados devem passar por um procedimento próprio e específico, no qual o Juizado da Infância e da Juventude de cada comarca deverá manter um banco de dados contendo as crianças e adolescentes que estão em condições de serem adotadas e as pessoas que estão interessadas em adotar. Isto é previsto pelo artigo 50 do ECA, conforme enfatizou a sentença inicial, da 1ª Vara de Currais Novos.
Conforme a decisão do TJRN, tal procedimento de habilitação de pretendentes à adoção é regulado nos artigos 197-A a 197-E do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos quais são exigidas diversas formalidades do interessado em adotar, inclusive a participação em um programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude, com cursos, palestras e entrevistas e prevê, também, a obrigatoriedade da intervenção de uma equipe interprofissional a serviço desta justiça especializada, que deverá elaborar estudo psicossocial a respeito do caso específico.
Adoção à brasileira
O voto destaca que, conforme enfatizou o Ministério Público, “não foram as condições pessoais dos postulantes à adoção que resultaram na improcedência, mas sim o próprio ato praticado à margem da legislação pátria, em que a genitora entregou à filha aos pais registrais, sem que estivessem inscritos no Cadastro Nacional de Adoção e sem que a Vara da Infância e da Juventude tivesse conhecimento e pudesse intermediar os atos”, observa.
“Essa prática é chamada pejorativamente de ‘adoção à brasileira’ porque é uma espécie de `adoção´ feita sem observar as exigências legais, ou seja, uma adoção feita segundo o `jeitinho brasileiro´”, comenta o relator, desembargador Claudio Santos, ao ressaltar que, embora a “adoção à brasileira”, na maioria das vezes, não represente torpeza de quem a pratica, pode vir a ser utilizada para facilitar outros ilícitos.
Segundo o julgamento, ao contrário da adoção legal, a adoção à brasileira não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o desejo de desfazer o ato gerado pelo registro ilegal, e, por consequência, restaurar todos os elementos legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários.
Destituição do poder familiar
Na demanda, foi declarada a destituição do poder familiar da mãe biológica, como também a nulidade da certidão de nascimento da criança, já que o registro da recém-nascida se deu em decorrência da denominada “adoção à brasileira” pelos pais registrais. O voto condutor, em segunda instância, salienta que a criança esteve sob a guarda dos autores do recurso por apenas os primeiros 15 dias de vida, o que se torna possível afirmar que ela não passou a identificar neles a figura parental.
“É importante ficar claro, portanto, que a adoção no Brasil deve seguir os casais habilitados no Cadastro Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça, ressaltando que a adoção realizada em desobediência da lei poderá ensejar na busca e apreensão da criança e entrega da criança para casal ou pessoa devidamente habilitados no Cadastro Nacional de Adoção CNJ”, completa a sentença mantida pelo voto no TJRN.
O julgamento ainda ressaltou que desde os 19 dias de vida – o último 29 de abril – a criança se encontra sob os cuidados de casal devidamente cadastrado no Cadastro Nacional de Adoção, o que revelaria o estabelecimento de vínculo afetivo, o qual deve ser considerado na análise recursal, sob pena de se aplicar medida jurídica lesiva aos interesses da menor e impor, desta forma, a manutenção do ‘status quo’ atual.