Não existe forma fácil de dizer adeus, principalmente quando a relação é interrompida tragicamente, como é o caso das vidas perdidas sob o jugo da pandemia, período em que as famílias brasileiras ficaram, inopidadamente, sem seus avós, pais, mães, filhos, netos…
Neste abril negro, pior mês desde o início da crise sanitária, o Brasil atingiu a incrível marca de 404.287 mortes pelo covid-19, número este que cresce diariamente, deixando-nos estarrecidos diante da terrível situação.
Porém, não queremos falar das perdas propriamente ditas, mas de como nós, sobreviventes, lidamos com este sentimento amortalhado, e de onde poderemos haurir forças e motivos para continuarmos a seguir em frente.
Eric Clapton, cantor e compositor inglês, perdeu, em 19 de março de 1991, seu filho, Conor, de apenas 4 anos, morto ao cair da janela do apartamento em que estava hospedado, no 49° andar de um edifício em New York.
Conor veio de uma relação extraconjugal de Eric com Lory del Santo, modelo milanês e, por esta razão, o roqueiro ficou distante dela e do filho, desde a gravidez até o término do seu casamento com Pattie Boyd, três anos depois do nascimento do seu caçula anglo-italiano.
Depois da separação, Eric resolveu resgatar a conexão entre ele e seu filho, o que o levou a passar uma temporada em New York, onde ambos tiveram várias horas juntos, divertindo-se, indo ao circo… Chegaram a combinar uma visita ao zoológico na manhã seguinte.
Enquanto aguardava a chegada do pai, Conor brincava de esconde-esconde com a babá e, por uma janela esquecida aberta pelo zelador, caiu acidentalmente daquele arranha-céu de Manhattan.
O sonho de Eric de acompanhar o crescimento de seu filho, aplaudi-lo nas conquistas, consolá-lo nas derrotas, aconselhá-lo nas intempéries, pulou, naquele dia, atrás de Conor para o abismo de dor que se abriu em seu coração.
No entanto, Clapton, que já possuía muitos problemas com alcoolismo antes disso, percebeu que precisava dar sentido e honrar a vida de Conor, ideia que o ajudou a lidar com o luto e a ausência sem uma gota de álcool na boca.
Foi assim que, em janeiro de 1992, o cantor lançou uma das melhores composições de sua carreira: Tears In Heaven, a qual expressou, em sua primeira estrofe, a dúvida acerca do pouco tempo que passaram juntos e a dor imensa de continuar sem ele:
“Será que você saberia o meu nome / Se eu te visse no Paraíso? / Será que as coisas seriam iguais / Se eu te visse no Paraíso? / Eu preciso ser forte / E seguir em frente / Porque eu sei que não pertenço / Aqui no Paraíso”.
Cada um lida com sua dor da forma que lhe convém para amenizar a angústia de perda. Eric cantou a sua história, repetindo para si mesmo que precisava ser forte e seguir em frente; na Índia do Século XVII, o imperador Shah Jahan mandou construir o Taj Mahal em memória de sua esposa favorita, Aryumand Banu Begam, para não esquecê-la; na Era Vitoriana, as famílias fotografavam seus entes queridos mortos como meio de homenageá-los.
Viver o luto é natural e desejável, mas, como lembrou Clapton, precisamos seguir em frente. Buscar realizar algo para homenagear aqueles que nos deixaram, honrar suas memórias com nossos atos, resignar-nos na fé e esperança do reencontro e desapegar-nos da presença física são estratégias mentais utilizadas para o reequilíbrio emocional, fazendo-nos superar as perdas e retomar a rotina de nossas vidas.
Prolongado sofrimento não é homenagem e não ajuda ninguém, denotando, talvez, arrependimento por não termos amado o bastante. Afinal, como disse Anne Frank, a menina judia assassinada pelo nazistas, “os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão”.
Portanto, não esperemos dizer àqueles que nos são caros o quanto o amamos, quando não houver mais o brilho em seus olhos. Digamos agora, abracemos agora, liguemos agora para eles e expressemos, enquanto há tempo, o quanto são importantes para a nossa vida.
Nada é mais acalentador, nestes momentos, do que a certeza de que amamos e fomos amados enquanto estivemos caminhando, juntos, no palco terreno.