Século XVIII. França. Paris. Pós-revolução. Com a deposição de Luís XVI, o ressentimento do povo, devido à imensa crise econômica e o descaso do Estado, fomentado pelos discursos inflamados de Robespierre, deram base popular aos jacobinos, que radicalizaram e rechaçaram com violência as ideias contrárias à revolução.
Este período, compreendido entre setembro de 1793 e julho de 1794, entrou para a história como o reino do terror, o qual foi marcado pela perseguição, inicialmente, aos monarquistas e girondinos, e, depois, a qualquer um que discordasse da política do Estado e considerado, pelo Comitê de Salvação Pública, como “inimigos da Revolução”, vitimando mais de 15 mil pessoas.
Dias atuais. Brasil. Rio de Janeiro. Jacarezinho. Uma operação promovida pela Polícia Civil, no último dia 06 de maio, centrou o combate do tráfico de drogas e aliciamento de crianças e adolescentes para integrar a facção que domina o território, na zona norte do Rio de Janeiro.
Esta operação policial culminou com a morte de 29 pessoas, dentre elas, o policial civil André Leonardo de Mello Frias, que avolumam à macabra estatística de quase 44 mil mortes violentas por ano no Brasil, das quais cerca de 7 mil ocorrem em confrontos policiais.
O ponto de encontro destes dois fatos, separados por 227 anos, é a atuação de um grupo de representantes do Estado que passa a determinar quem é o inimigo do sistema, passando a acusar, julgar, condenar e executar tão rápido quanto apertar o gatilho, e tudo isso sob os aplausos de parcela da população.
É óbvio que as reações favoráveis à execução sumária de bandidos são compreensíveis. Estamos todos cansados de ter medo, de ver a criminalidade ficar mais ousada, matando e roubando nossa paz com uma crueldade crescente e sem precedentes.
Por outro lado, o Estado tem demonstrado, ao longo de décadas, uma incompetência gargantuesca no combate à criminalidade, não conseguindo fornecer prestação de serviço público essencial, como educação, saúde, esporte, etc, à população mais carente, agindo antes das crianças e adolescentes entrarem para o crime.
Assim, para o enfrentamento direto da bandidagem, restaram somente as polícias que, sem estrutura, tecnologia, equipamentos e agentes o suficiente, não conseguem acompanhar a evolução dos métodos e volume de recursos das facções organizadas e bem armadas.
Para se ter ideia, no Brasil, apenas 6% dos crimes são desvendados pela polícia, que envia para um Judiciário extremamente moroso e, quando há condenação, o sistema prisional deficiente não impede que os principais líderes continuem a “administrar seus negócios” de lá de dentro.
Tudo isso aumenta a sensação de impunidade e o sentimento de frustração do povo brasileiro, que se vê refém da bandidagem sem controle e deseja que alguém coloque ordem na casa.
Entretanto, a correção de um mal não pode descambar em outro. Autorizar a execução sumária de criminosos é abrir mão de uma série de conquistas de direitos e garantias fundamentais ao longo dos séculos, tais quais o da ampla defesa e contraditório, do devido processo legal, do ir e vir e do próprio direito à vida.
Onde não há Direito, há o arbítrio do grupo dominante, que impõe aos demais o seu próprio modo de vida, os seus valores e crenças, considerando, conforme seu humor, o que é “certo” ou “errado”, como ocorre nos regimes totalitários e ditatoriais que vemos pelo mundo.
Em regimes assim, qualquer um que pense diferente ou discorde pode ser considerado inimigo. No reino do terror francês, até os próprios jacobinos e revolucionários, como Danton, foram executados por Robespierre, que também encerrou seus dias com a guilhotina no pescoço.
Por isso, o Estado de Direito possui o dever de cumprir a lei, uma vez que, em uma democracia que se caracteriza pela coexistência de pensamentos divergentes, são as normas constitucionais, identificadas com os valores do povo, que norteiam as soluções dos conflitos.
Do contrário, como a história tem ensinado, um Estado sem Direito fomenta a intolerância, que leva à violência e desordem, até que surgem “lideranças” que prometem salvar a pátria, nascendo um Estado autocrático e ditatorial, onde pensar é extremamente perigoso.