Em 2009, através da Lei nº 12.034/2009, a legislação eleitoral passou a obrigar cada partido ou coligação a observar a cota de gênero prevista no § 3º, art. 10, da Lei das Eleições, a qual exige que, da quantidade geral de candidatos que concorrerão nas eleições, a agremiação deverá preencher com o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
Oportuno lembrar que esta política afirmativa engloba a identificação de gênero do candidato e não a sua condição biológica, fazendo com que pessoas transexuais sejam contabilizadas no sexo em que se autodefinem, como se infere da consulta TSE n° 60405458, de 01/03/2018, da relatoria do Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
É necessário reconhecer que esta norma foi uma construção sócio-política extremamente importante para a inserção das mulheres no establishment nacional, permitindo a ampliação do debate de políticas públicas com a significativa contribuição da visão feminina, muitas vezes mais intuitiva e acertada do que a de seus pares masculinos.
De fato, um estudo intitulado Health and the Political Agency of Women e desenvolvido pelas economistas Sônia Bhalotra e Irma Clots-Figueras, pelas University of Bristol e Universidad Carlos III, revelou que a eleição de mulheres líderes da comunidade impactam diretamente na forma de aplicarem os recursos públicos, uma vez que focam mais em políticas públicas que enfatizam saúde e educação, além de conseguirem aplicar totalmente os recursos, pois, em média, não se envolvem em casos de corrupção no poder.
Apesar disso, o ingresso das mulheres na política tem sido lento, mas gradual. Nas eleições de 2014, por exemplo, foram eleitas 51 deputadas federais, cerca de 10% do total de vagas, e em 2018, este número passou para 77 mulheres que ocuparam as cadeiras da Câmara Federal, chegando ao patamar de 15% do total de deputados. Este percentual é somente um pouco mais da metade da média nos países latino-americanos e do Caribe, que é de 28,8%, conforme revela a ONU Mulheres, que elaborou, no ano de 2017, uma pesquisa sobre a participação das mulheres nos parlamentos de 174 países, sendo que o Brasil ocupou a 154ª posição no ranking.
Tanto é verdade que, em consulta (Ac. de 22/05/2018 na CTA nº 60025218) formulada ao Tribunal Superior Eleitoral, a então relatora, Min. Rosa Weber, reconheceu a timidez das políticas afirmativas direcionadas às mulheres, necessitando de uma maior contundência dos órgãos governamentais para garantir a efetividade da norma ao afirmar que “as estatísticas demonstram que os reflexos no espaço político feminino ainda se mostram tímidos, evidenciando-se a urgência da adoção de práticas afirmativas que garantam o incremento da voz ativa da mulher na política brasileira, insofismável o protagonismo da Justiça Eleitoral nesta seara”.
E o que falta para dar efetividade a norma do § 3º, art. 10, da Lei das Eleições? Talvez seja a falta de vontade ou receio dos dirigentes partidários em abrirem as portas e os cofres dos partidos e investirem em programas de formação e integração das mulheres à vida pública, propiciando o seu crescimento como verdadeiras líderes; talvez falte um combate mais eficaz do machismo sistêmico que, pelo grito e pela força, intimida a liderança feminina; talvez falte mais fiscalização e punição para os que utilizam as mulheres como “laranja” no processo eleitoral, ludibriando, não somente a Justiça Eleitoral, mas, principalmente, a própria sociedade.
Foi justamente neste último aspecto, de utilização de “laranjas” nas eleições, que o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, presidido pela Ministra Rosa Weber, na sessão ocorrida em 17/09/2019, decidiu de forma inédita, pelo apertado placar de 4 x 3, a cassação de seis vereadores eleitos no Pleito de 2016 para a Câmara Municipal de Valença do Piauí/PI, acusados de terem se beneficiado de candidaturas fictícias de mulheres.
O relator, Min. Jorge Mussi, votou para confirmar a cassação do diploma aplicada pelo TRE/PI aos candidatos que participaram da fraude ou dela se beneficiaram, tendo sido acompanhado pelos ministros Tarcisio Vieira de Carvalho Neto e Luís Roberto Barroso, e se instalada a divergência inaugurada pelo Min. Edson Fachin na sessão do dia 21 de maio de 2019, entendendo que, dentre outros pontos, deveriam ser cassados os diplomas de todos os eleitos, o que foi seguido pelo Min. Sérgio Banhos e referendada pelo Min. Og Fernandes.
Ao desempatar, a presidente da Corte Eleitoral, Min. Rosa Weber, votou com a divergência e fixou, pela primeira vez este importante precedente em favor da efetividade da cota de gênero, a tese de cassação de todos os candidatos eleitos, além de tornar inelegíveis por oito anos os que não foram eleitos. Ressaltou, ainda, a Presidente Rosa Weber, a importância do papel da Justiça Eleitoral para corrigir a distorção histórica que envolve a participação feminina no cenário político nacional.
Pois é. Com decisões contundentes como esta do TSE, é possível que, em alguns anos, o povo brasileiro tenha amadurecido o suficiente para merecer um equilíbrio de forças e visões masculinas e femininas no parlamento, onde a síntese seja a paz, a prosperidade e a Justiça Social.
Kennedy Diógenes
Advogado