A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a aplicação de prazo decadencial nas diárias de hospedagens oferecidas anualmente por clube de turismo aos seus associados. O colegiado entendeu que, na hipótese, não há relação de consumo entre a associação e o associado, sendo possível a previsão regimental de prazo para a utilização do serviço contratado, sob pena da perda do direito de utilização.
“Não se afigura desproporcional a estipulação de prazo decadencial para a utilização das diárias por cada um dos associados. Ao contrário, o estabelecimento de prazo, seja ele qual for, permite à associação administrar as diárias e as prestações mensais com maior previsibilidade e transparência”, enfatizou o relator do recurso especial, ministro Marco Aurélio Bellizze.
Segundo os autos, em 1992, o recorrente adquiriu quatro títulos de um clube de turismo e passou a ter direito a sete diárias em um hotel da rede conveniada, por título. O crédito desse direito de hospedagem é feito anualmente, na data de aniversário de associação, e precisa ser usado no prazo de um ano, sob pena de perda das respectivas diárias. Inconformado com a perda das diárias não utilizadas, o associado ajuizou ação declaratória, em 2009, de nulidade das cláusulas contratuais.
Nulidade da decadência
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente ao entendimento de que não houve qualquer vício na cláusula contratual que estipula a decadência, cuja restrição contratual visa garantir o equilíbrio econômico, assegurando à contratada o cumprimento de sua obrigação. A sentença foi inteiramente mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.
No recurso especial, o recorrente pediu o reconhecimento da nulidade das cláusulas que impõem ao consumidor a perda de diárias no período determinado no contrato. Segundo ele, essa regra é incompatível com o sistema de proteção ao consumidor.
Relação de pertencimento
Em seu voto, o relator frisou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não se dedicou ao estabelecimento de regras específicas acerca da estipulação de prazos decadenciais nas relações de consumo, sendo plenamente eficazes as regras do direito civil que admitem a convenção da decadência, conforme o artigo 211 do Código Civil de 2002.
Bellizze frisou que, ao estabelecer as normas destinadas à proteção contratual do consumidor, o legislador não revogou a liberdade contratual, apenas aplicou maior atenção ao equilíbrio entre as partes. “A proteção contratual não é sinônimo de impossibilidade absoluta de cláusulas restritivas de direito, mas de imposição de razoabilidade e proporcionalidade, sempre se tomando em consideração a natureza do serviço ou produto contratado”, sublinhou.
No entanto, o ministro lembrou que o CDC não tem incidência para regular a relação entre a entidade e seus associados, como pretendido pelo recorrente, “porque a relação entre os associados e a entidade é de pertencimento, de modo que os estatutos e regimentos organizam a participação e a contribuição de cada um para a realização do escopo comum em favor de toda a comunidade de associados, e não concretizam uma relação de consumo”.
De acordo com ele, na relação entre associação e associados falta o elemento essencial das relações de consumo: o fornecimento de bens e serviços em mercado de consumo, consoante a regra presente nos artigos 2ºe3º do CDC. Além disso, explicou o ministro, o fornecimento dos serviços desse clube de turismo é destinado exclusivamente aos associados, podendo a associação recusar o fornecimento do mesmo serviço a terceiros – o que não é permitido aos fornecedores de serviços ao mercado, conforme vedação do artigo 39, IX, do CDC.
Estabilidade
O relator ressaltou que, ao adquirir títulos desse clube em 1992, o recorrente passou à condição de associado, observando as regras regimentais da associação, o que efetivamente cumpriu. Ele lembrou que, até 2009, o recorrente se adequou à previsão decadencial, sem demonstrar nenhuma insatisfação com seu conteúdo, reforçando ainda seu consentimento com as estipulações regimentais.
“Admitir a imputação de nulidade à estipulação que vigorou entre as partes por quase 20 anos, sem nenhum questionamento, seria vilipendiar a legítima expectativa das recorridas na estabilidade da relação mantida entre as partes”, concluiu o relator ao negar provimento ao recurso especial.
Fonte: STJ