Com uma audiência com picos de aproximadamente de 1.650 espectadores no YouTube, o Poder Judiciário do Rio Grande do Norte realizou, nesta quarta-feira (10), audiência de conciliação entre o Estado e o Município de Natal sobre os decretos, desses dois poderes executivos, com medidas mais restritivas relacionadas ao enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, sobretudo quanto à questão do toque de recolher. A sessão foi presidida pelo desembargador Dilermando Mota, que durante quase três horas, tentou obter um acordo entre as partes. Estado e Município não chegaram a um acordo, o primeiro, na pessoa da governadora Fátima Bezerra, defendendo a manutenção do toque de recolher das 20h às 6h, e o prefeito da capital, Álvaro Dias, propondo flexibilização do horário de funcionamento da medida para começar a partir das 21h.
Para o desembargador, não ter chegado a um acordo não significa que o trabalho foi perdido. “Ledo engano, a sociedade ganhou, pois é em nome da sociedade que estamos aqui”, enfatizou o magistrado ao concluir os trabalhos da audiência, que além de dar voz aos chefes dos dois Poderes Executivos, também abriu espaço para a OAB/RN; para o impetrante do Mandado de Segurança relacionado ao caso, promotor Wendell Beetoven; para o procurador geral de Justiça, Eudo Rodrigues Leite; o procurador geral do Estado, Luiz Antônio Marinho; e o presidente da Federação dos Municípios, Anteomar Pereira.
Dilermando Mota destacou ainda que a sociedade está confusa com os dois decretos, que geram insegurança jurídica, e tem de enfrentar um terrível vírus. “A sociedade fica sem saber o que fazer porque não há um decreto único, o que vale também para os setores da segurança pública, que não estão sabendo como se conduzir, quer por excesso ou omissão”, observa o magistrado de segundo grau. Para ele, é preciso saber como agir, qual o decreto que prevalece. “Nosso trabalho foi voltado para a sociedade, a quem devemos satisfação e só a ela”, reforça.
Durante a audiência, a governadora defendeu a adoção de medidas mais restritivas, diante do que se apresenta como o pior momento da pandemia no estado e no país, com aumento da transmissibilidade e mortalidade, atingindo também crianças, e disse que o decreto estava amparado na ciência. “Não se trata aqui de uma hora a mais ou a menos do toque de recolher, mas do nosso dever de preservar vidas”. Fátima Bezerra acenou com a possibilidade de manutenção do decreto estadual até a quarta-feira (17) e que na terça, um dia anterior, a situação poderia ser avaliada em reuniões entre as partes.
Por sua vez, o prefeito Álvaro Dias, disse que tinha outras propostas a fazer além da redução em uma hora no toque de recolher. Lamentou o que disse ser intransigência do governo estadual e que esperava que os dois lados transigissem. O gestor municipal defendeu que a cidade tem avançado no combate à pandemia e que a preocupação era também com o setor econômico, que sofre com a situação. Destacou o impacto causado ao turismo e ao comércio e disse que as medidas restritivas podem gerar uma nova pandemia, de desemprego e fome. “Se as pessoas não tiverem condições de trabalhar, de se manter, de estocar mantimentos e cumprir suas obrigações, também irão sucumbir à pandemia da fome, da miséria, do desemprego causada por estas medidas”.
O procurador geral de Justiça, Eudo Leite, defendeu o toque de recolher das 20h às 6h, para ele o horário mais adequado, conforme tem adotado a maioria dos estados. Ele destacou que recebe relatórios das promotorias de Saúde de Natal que demonstram a gravidade da situação atual.
Impetrante do Mandado de Segurança, o promotor Wendell Beetoven se pronunciou dizendo que o toque de recolher não tem amparo na Constituição, na lei, nem na jurisprudência. “Não há espaço, em nossa compreensão, para que a força policial aja à margem ou fora da lei”, enfatiza.
Ao participar da audiência, o procurador geral do Estado Luiz Antônio Marinho, sustentou que “há legalidade no toque de recolher, diferentemente do que está no Mandado de Segurança”.
Dirigente da entidade de garantia da atividade da advocacia, o presidente da OAB/RN, Aldo Medeiros, defendeu um “vetor único” para o combate à Covid-19 no Estado e na capital. “Para que a população possa enfrentar a grande batalha da pandemia, sabemos o risco que estamos correndo, com pessoas próximas a nós sem poder se internar”, ressalta.
O presidente da Federação dos Municípios, Anteomar Pereira da Silva, também se posicionou por um decreto unificado, que servisse de referência para todos os municípios potiguares e destacou que a Femurn e os entes municipais são favoráveis às medidas de distanciamento e isolamento social.
Ao final da audiência, o desembargador Dilermando Mota agradeceu a participação de todos, governantes, representantes de entidades, e o acompanhamento do público, nesta iniciativa inédita, com transmissão ao vivo pelo canal do TJRN na plataforma YouTube.