O sol não se levantou no oriente, neste agosto de 2021.
Com a retirada das tropas da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), iniciada em maio deste ano, o grupo extremista Talibã retomou Cabul, encobrindo o céu do Afeganistão com nuvens de incertezas em relação ao seu futuro.
Depois de uma ocupação de duas décadas e a promessa de defesa das garantias individuais do povo afegão, as tropas aliadas (EUA, Alemanha, França e Reino Unido) resolveram voltar para casa e deixar para trás um país marcado pelo terrorismo e pela intolerância religiosa, ambos impostos pelo grupo extremista de Mulá Omar.
No epicentro deste conflito está a Sharia, Lei Islâmica composta pela fé no Alcorão e hadith, cuja interpretação do grupo fundamentalista Talibã é a mais distorcida, rígida e intolerante do Alcorão, permitindo a supressão dos direitos e garantias individuais das mulheres e crianças, como ocorrera durante o período em que governaram o Afeganistão, entre os anos de 1996 e 2001.
Naquele período de dominação, as mulheres foram proibidas de sair de casa sem a companhia de um homem e sem usar burca, e o “hudud”, que é o conjunto de punições severas reservadas para “pecados” como o adultério, o estupro, a homossexualidade, o roubo e o assassinato, também foi aplicado de forma genérica, estendendo-se para outros “pecados” menos graves.
Apesar das promessas dos líderes do Talibã à Comunidade Internacional, o medo do retrocesso nos direitos das mulheres é real e palpável. Segundo a jornalista Humira Saqib, em entrevista à CNN, “Os talibãs começaram a ir de casa em casa à procura das mulheres ativistas”, fazendo com que ela e outras, que tanto lutaram pela igualdade das mulheres, estejam escondidas em casas de amigos e familiares.
Os dramas que se desenrolam no distante país afegão rodaram o mundo em fotos e vídeos, registrando momentos em que mães levantavam suas filhinhas para serem resgatadas pelos militares americanos, do alto dos muros do aeroporto transformado em último reduto, demonstrando a expressão viva do desespero humano, onde a escolha de entregar quem se ama nas mãos de desconhecidos supera a incerteza do futuro nas mãos do cruel regime.
Enquanto isso, países da Otan e União Européia bodejam sobre abrir as portas ou não para os novos refugiados, que já são quase 20 mil nestes primeiros dias. O Reino Unido declarou que receberá até 5 mil afegãos no programa de reassentamento; Alemanha ainda contabiliza o rescaldo político negativo dos refugiados sírios, fechando as portas para os afegãos; a Itália e França negam acesso por causa da pandemia.
Ações desconexas e indecisões da comunidade internacional agravam a crise humanitária que ocorre no Afeganistão, motivando a declaração dos ministros das Relações Exteriores do G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo), que pediram a união de suas respostas no atendimento às inúmeras demandas daquele povo, como afirmou o chanceler britânico, Dominic Raab.
O Afeganistão é a prova de que é possível se abandonar um povo à própria sorte de várias formas, desde a opressão soviética, de 1979, até este momento, onde os países da Otan decidiram, simplesmente, abandonar o país sem qualquer planejamento.
No entanto, o pior abandono é, sem dúvidas, o da esperança de que as mulheres teriam, naquele solo e em todo o planeta, um futuro repleto de oportunidades para desenvolverem todas as suas potencialidades sem qualquer temor, respeitadas, igualmente aos homens, e valorizadas na construção de suas nações.
Isto, sim, é imperdoável.