Na Ilíada, o maior poema épico grego, Homero conta que Aquiles, quando foi convidado por Menelau para lutar contra Tróia e recuperar sua bela esposa, Helena, aconselhou-se com sua mãe, Tétis, que lhe disse:
– Se escolheres ficar, terás uma vida longa e cheia de filhos, que o amarão, e serás lembrado por teus netos e bisnetos. Se fores, não voltarás e não terás filhos, mas as gerações futuras saberão que existiu o corajoso Aquiles. Aí, serás imortal.
Como sabemos, Aquiles optou por viver na lembrança eterna de toda a humanidade, desejo este que se concretizou, pois seus feitos e atos de bravura foram reverenciados nos últimos três milênios, e inspiram poetas, escritores e cineastas, até os dias de hoje.
A coragem é uma, senão a maior das virtudes humanas, tendo sido celebrada em todas as áreas, inclusive no cristianismo. No evangelho de Marcos 8:35, este lembrou as palavras de Jesus, que disse: “Porque qualquer que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas qualquer que perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, esse a salvará”.
Arte, literatura e religião se unem para colocar em um pedestal a coragem de sacrificar a própria vida por um propósito maior, que se traduz em ideal de conduta esperado pela sociedade de todos os tempos, desde a Grécia antiga, de Aquiles, passando pelos primeiros mártires cristãos, até os dias atuais, cujos representantes são os profissionais de saúde da linha de frente de combate à pandemia.
Por outro lado, não há virtude sem vício, assim como não há sombra sem luz. No sentido contrário da coragem, há a covardia, que possuiu numerosos e vergonhosos exemplos que ficaram para a história como símbolo de fraqueza e torpeza dos homens.
Efialtes traiu Leônidas, rei espartano, que sucumbiu diante de Xerxes na batalha das Termópilas; Joaquim Silvério dos Reis delatou Tiradentes e seus companheiros à Coroa Portuguesa e enforcou o sonho da inconfidência mineira; Judas traiu Jesus com um beijo, entregando-o à cruz e a morte, o que fez ressurgir uma nova era.
É bem verdade que as traições, direta ou indiretamente, nascem do medo: sentimento natural no coração de todos. No entanto, quando se dá asas ao medo, este se transforma em covardia, que é a prodigalidade dos fracos.
A coragem é, justamente por isso, a escolha de se resistir ao medo, apesar das consequências, em nome dos valores que norteiam crenças, ideais e bem-estar coletivo. Ou seja, pensar no outro, assim como o amar, necessita de uma pitada de coragem.
Entretanto, ao longo de nossas vidas, houve momentos em que o medo simplesmente nos dominou. Lembro de que havia um vizinho da infância, maior e mais forte do que eu, que importunava meu irmão caçula, somente cessando depois que nosso pai foi conversar “gentilmente” com o garoto. Eu deveria ter feito algo para proteger meu irmão. Teria apanhado, claro, mas ficaria muito mais orgulhoso, fato este que me motivou a decidir pela coragem, a partir daquele evento.
Coragem, apesar do medo, parece contraditório: um paradoxo bem delineado pelo poeta e escritor inglês, G. K. Chesterton, que ensinou que coragem é ter “um forte desejo de viver sob a forma de uma grande disposição para morrer”.
É que a posteridade só possui lugar para quem vive com coragem. No Panteão da Pátria, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília, há um livro, com páginas de aço, que elenca 43 heróis oficialmente reconhecidos no Brasil, estando, dentre eles, além de Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Duque de Caxias, Chico Mendes, Anna Neri, São José de Anchieta, Anita Garibaldi e Bárbara Alencar.
Já, os traidores, cujos nomes são pronunciados com esgar, conquistaram a merecida má-fama e ojeriza da sociedade de seu tempo e das gerações que os sucederam, coisa somente reservada aos párias indignos de qualquer crédito ou compaixão.
Entre heróis e traidores, a coragem é a herança valorosa a ser guardada dentro de nosso peito para ser utilizada nos dias difíceis. O grande prêmio está nas palavras de Ovídio: o sucesso e o amor preferem o corajoso.