O extinto programa Linha Direta, da TV Globo, nos idos de 2004, relembrou o caso de Aída Curi, a jovem de 18 anos que, em 14 de julho de 1958, foi covardemente assassinada, após tentativa de estupro, por Ronaldo Castro, Cássio Murilo e Antônio Sousa.
A família de Aída, depois da exibição do episódio da Globo, que a fez reviver a dor da morte trágica de uma de suas filhas, entrou na Justiça para que pudesse ter direito ao esquecimento, ou seja, que a memória deste caso se perdesse no tempo, sendo vedado a qualquer um relembrá-lo sem autorização.
Depois de quase duas décadas de disputa judicial, o Supremo Tribunal Federal, no último dia 11 de fevereiro, decidiu, por maioria, que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal, não podendo se “obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais”.
Dessa forma, o esquecimento social de casos de repercussão local ou nacional, tanto para algozes quanto para vítimas, é incompatível ao direito à memória coletiva, devendo prevalecer este em detrimento daquele, uma vez que é essencial à manutenção da verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações, conforme argumentou a ministra Cármen Lúcia em seu voto.
Para exemplificar, Cármen Lúcia refletiu sobre esta temática ao questionar: quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?
De fato, são os registros das circunstâncias cotidianas que, com todas as suas alegrias e tristezas, conquistas e derrotas, contam a história de um povo e seus valores culturais, sociais e econômicos. Sem isso, como preconizava a historiadora Emília Viotti da Costa, “um povo sem memória é um povo sem história; e um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”.
No entanto, não há dúvidas de que, ao se trazer à tona acontecimentos marcantes para determinadas pessoas ou famílias, renovam-se os sofrimentos vividos, reacendem-se aquelas dores que apenas o lento passo dos ponteiros tem o poder de atenuá-las.
Somente aqueles que tiveram experiências assim, consigo ou bem próximas de si, sabem o que é ter que enfrentar a lembrança angustiada da própria impotência, da sua fraqueza ou do enorme “se” que poderia ter mudado o rumo de sua vida (se a tivesse proibido de sair; se não tivesse bebido; se houvesse voltado para casa mais cedo…).
Por isso, é imprescindível que, antes de se recontar determinadas histórias, exercite-se a empatia para com as vítimas e seus familiares, ponderando se os fatos trazidos à tona poderiam trazer mais ou menos benefícios para a sociedade em geral, do que os malefícios acarretados pela memória acerba impingida aos sobreviventes.
É justamente neste ponto que o STF expressou, em sua decisão, que eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e civel.
Isso quer dizer que poderá haver sanção para aqueles que abusarem da liberdade de expressão, uma vez que, caso a avocação da memória seja motivada pela torpeza ou futilidade, por exemplo, haverá de se salvaguardar os direitos e garantias individuais previstos no quinto constitucional, impedindo a divulgação ou indenizando os protagonistas dos fatos.
Ao se negar o direito ao esquecimento ao indivíduo, privilegia-se a história do povo brasileiro, com a ressalva de que o resgate destas memórias sejam úteis e necessárias para a coletividade, fazendo valer a pena a dor e o sofrimento que tais lembranças causarão aos envolvidos.