O Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (18) o PLP 133/2020, projeto de lei complementar que regulamenta o pagamento de compensações da União a estados e municípios devido às perdas de receita provocadas pela Lei Kandir. O valor destinado aos entes federativos pode chegar a R$ 65,6 bilhões até 2037. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados.
A votação conclui um impasse de mais de três meses sobre o assunto, que se instalou porque o projeto previa que o desembolso da União seria financiado pelo fim do Fundo Social do Pré-Sal (FS). O relator da matéria, senador Antonio Anastasia (PSD-MG), acatou as ressalvas de colegas e retirou essa previsão.
A Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996) isentou as empresas de pagarem ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre exportações. Como o ICMS é receita dos estados e municípios, a lei previu uma compensação financeira pela perda da arrecadação desses entes da federação. Os critérios para o pagamento dessa compensação são objeto de batalhas judiciais desde 2013. Em maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) conduziu um acerto entre os estados e a União, que foi oficializado pelo PLP 133/2020.
“Pomo da discórdia”
A extinção do Fundo Social havia sido a maneira encontrada pelo autor do projeto, senador Wellington Fagundes (PL-MT), para viabilizar a transferência das compensações. Com essa medida, os recursos deixariam de ficar vinculados ao fundo e poderiam ser usados pela União. Mas a proposta encontrou resistência, e seis partidos diferentes chegaram a pedir a retirada do trecho do texto.
Anastasia classificou a questão do Fundo Social como o “pomo da discórdia” na análise do projeto. Ele afirmou que o governo havia aquiescido em desistir da polêmica. E agradeceu ao líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pelo acordo.
— Isso acalma o tema e permite aos estados, ainda no ano de 2020, receberem o valor de cerca de R$ 4 bilhões, que é expressivo no momento de dificuldade que vivem. É bom lembrar que os municípios receberão 25% desse montante — disse Anastasia.
Bezerra também celebrou a conclusão do assunto, mas salientou que a extinção do Fundo Social do Pré-Sal ainda poderá ser abordada no futuro, pois a viabilidade financeira de longo prazo das compensações dependerá da desvinculação de recursos. O Fundo Social é um dos que poderão ser liquidados pela PEC 187/2019, que ainda tramita no Senado.
— Nós precisamos discutir a questão do espaço orçamentário. Essa despesa irá se estender por um período muito longo e isso vai pressionar o orçamento público federal. Portanto, é importante destacar que essa matéria voltará a ser revisitada para viabilizar esse importante acordo entre a União e os estados.
Bezerra lembrou, ainda, que a dotação orçamentária para o pagamento da primeira parcela das compensações já está garantida, graças à aprovação do PLN 18/2020, que incluiu o tema na Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 13.898, de 2019).
O líder do MDB, senador Eduardo Braga (AM), foi um dos que defenderam a preservação do Fundo Social no PLP 133/2020. Ele cumprimentou Anastasia por ter atendido ao pleito dos senadores e destacou a importância do fundo, que contribui com a parte da União no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
— Era muito importante manter a nossa responsabilidade. O relator teve a habilidade de construir uma solução que atende o pacto federativo, equaciona finalmente o pagamento de uma dívida e preserva o Fundo Social — declarou Eduardo Braga.
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O PLP 133 prevê o pagamento, até 2037, de R$ 65,6 bilhões aos estados e municípios para compensar as perdas provocadas pela Lei Kandir. 75% dos recursos irão para os estados e o Distrito Federal, e os 25% restantes, para os municípios.
Pelo acordo, a União pagará obrigatoriamente R$ 58 bilhões entre 2020 e 2037, já previstos na PEC 188/2019. Os R$ 7,6 bilhões restantes estão condicionados: R$ 3,6 bilhões, divididos em três parcelas anuais, serão pagos após a aprovação da PEC; e R$ 4 bilhões devem vir dos leilões para exploração de blocos dos campos petrolíferos de Atapu e Sépia, na Bacia de Santos, e têm que ser repassados em 2020.
Anastasia incorporou quatro emendas ao texto original. Ele suprimiu a obrigatoriedade de as assembleias estaduais aprovarem lei reconhecendo não haver mais dívidas da União em relação à Lei Kandir. O relator substituiu essa exigência pela renúncia ao direito à compensação, com a desistência de todas as ações ajuizadas. Por outro lado, ele incluiu dispositivo para liberar a União de cumprir alguns dos requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 2000) para o aumento de despesas, de forma a permitir o repasse dos R$ 65,6 bilhões.
Disputas judiciais
A Lei Kandir isenta as empresas de pagarem ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre qualquer operação ou serviço realizado para exportar, inclusive produtos primários e semielaborados, como soja, milho, algodão, carnes, madeira e minérios. O objetivo foi baixar o custo de produção para aumentar a competitividade do Brasil no mercado internacional. Como o ICMS não é receita da União, e sim de estados e municípios, a Lei Kandir estabeleceu que deveria ser paga uma compensação financeira pela perda da arrecadação dos entes até 2006.
A ideia original era ter uma compensação temporária. À medida que o tempo passasse, a perda de arrecadação decorrente da Lei Kandir seria compensada pelo aumento da arrecadação associado ao crescimento econômico. A partir de 2000, várias leis complementares foram alterando e reduzindo essa compensação, até torná-la não obrigatória, deixando ao governo federal a iniciativa de definir como e se ela seria realizada.
Em 2004, o Executivo criou o Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações (FEX), com Lei 10.966, de 2004, no objetivo de auxiliar financeiramente estados e municípios, evitando falar em compensação. Desde então o governo federal edita anualmente uma MP ou envia ao Congresso projeto de lei ordinária para regular esse auxílio.
O problema é que o FEX não tem instrumentos de correção e não é obrigatório. Os entes federados questionam não apenas os valores, muito menores do que a compensação à qual consideram ter direito, mas também a regularidade dos pagamentos. Os estados então se reuniram em um Fórum de Governadores e entraram com ação no STF pedindo normas para a transferência dos recursos.
Em 2016, o Supremo considerou que o Congresso foi omisso na regulamentação do artigo art. 91 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADTC), que prevê a edição de lei complementar para regular o repasse da compensação, e deu prazo de um ano para que a legislação fosse aprovada. Desde então esse prazo foi prorrogado duas vezes, a última vencida em 21 de maio de 2020. O STF, no entanto, não reconheceu o pedido de estados e municípios à complementação de repasses de anos anteriores.
O acordo fechado no STF em maio definiu que estados e municípios abrirão mão da compensação pela perda do ICMS, renunciando a qualquer cobrança judicial, em troca dos R$ 65,6 bi e de parte dos royalties pela exploração do petróleo, gás natural e minérios e pela geração de energia por hidrelétricas. A União ficou obrigada a incluir esses repasses no Orçamento Anual; a defender a aprovação da PEC 188, que revoga o artigo 91 do ADTC e inclui a partilha dos royalties na parte permanente da Constituição; e a regulamentar a divisão temporária dos recursos até que seja aprovada a PEC, papel que cabe ao PLP 133.
Fonte: Agência Senado